segunda-feira, 30 de maio de 2011

Meios de usar fluoreto em Odontologia - Parte II

Introdução



No artigo anterior desta série (JABO número 115, Setembro/Outubro 2008, pág. 24), abordamos o mecanismo de ação anticárie do fluoreto (íon flúor, F - ) e a importância da manutenção desse íon na cavidade bucal para interferir nos processos de desmineralização e remineralização dental. No entanto, mesmo conhecendo o mecanismo de ação, a variedade de meios de utilização de fluoreto disponível gera dúvidas: afinal, qual(is) meio(s) de utilização de fluoreto devo recomendar para meu paciente?



Infelizmente, não há uma resposta simples para esse questio­namento. E mesmo que houvesse para os produtos disponíveis atualmente, novos poderiam surgir e com eles novas dúvidas. Assim, o importante é conhecer os fundamentos de cada meio de utilização de fluoreto, como ele fornece íons F - para a cavidade bucal e como diferentes meios poderiam ser associados de acordo com a necessidade de cada paciente.



Nesse sentido, cabe recordar alguns conceitos importantes na indicação clínica de uso de fluoreto:



1. Quem não está sujeito à cárie, não precisa de fluoreto. De fato, “falta de fluoreto” não causa cárie, mas sim acúmulo de biofilme (placa) dental e exposição freqüente a carboidratos fermentáveis.



2. Quem está sujeito à cárie, precisa de fluoreto. E qualquer indivíduo está sujeito à cárie, desde que acumule biofilme dental e tenha uma alta freqüência de exposição a carboidratos – “quantos cafezinhos com açúcar tomamos por dia; quantas bolachas recheadas; quantos refrigerantes?”









3. Quem está mais sujeito à cárie, precisa mais de fluoreto. Observe que indivíduos sob alto desafio cariogênico são aqueles que mais precisam de fluoreto, o que não necessariamente significa que precisem de mais fluoreto. Assim, um arsenal de meios de utilização de fluoreto pode não ser suficiente para controlar a doença, se os fatores determinantes para seu desenvolvimento forem totalmente negligenciados!



4. Quem esteve com o processo de cárie sob controle na presença de fluoreto, ficará sujeito à cárie na sua ausência. Como o importante é a manutenção de fluoreto na cavidade bucal, uma vez que o uso de fluoreto seja interrompido, seu efeito anticárie também será.



Todos os meios de utilização de fluoreto objetivam aumentar a concentração do íon na cavidade bucal. Considerando que o mecanismo de ação é sempre o mesmo (“tópico”), classificar os meios de uso de fluoreto de acordo com sua exposição sistêmica é um erro, pois sugere que na ausência de água fluoretada algum outro meio de uso “sistêmico” de fluoreto deveria ser utilizado, o que não se justifica atualmente.



Assim, a classificação mais racional para os meios de uso de fluoreto inclui sua abrangência e modo de aplicação, como descrito a seguir:





Meios de uso de fluoreto



1. Coletivos



A fluoretação das águas de abastecimento público é um importante meio coletivo de uso de fluoreto no Brasil. E é lei: toda cidade com estação de tratamento de água deve agregar fluoreto na sua água (Lei Federal 6.050, de 24/5/74). A importância dessa medida fica clara quando observamos que a prevalência de cárie é menor em cidades com água fluoretada em comparação com aquelas sem fluoretação.



Ao contrário do que se pensava no passado, não é o fluoreto incorporado ao dente que diminui a solubilidade da estrutura mineral do dente, como já abordado em nosso artigo anterior. Quando ingerimos água fluoretada, o fluoreto absorvido e circulando pelo sangue irá atingir as glândulas salivares, sendo secretado na saliva. Indivíduos que vivem em região de água fluoretada apresentam cerca de 0,02 ppm de F na saliva, contra 0,01 ppm de F em média em indivíduos que não vivem em região de água fluoretada. No biofilme dental, a diferença na concentração de fluoreto pode chegar a 10 vezes! Essa diferença tem efeitos marcantes em termos de físico-química, diminuindo a tendência de desmineralização dental e ativando a remineralização.



E não apenas o consumo de água fluoretada causa esse efeito: alimentos cozidos com essa água, como arroz e feijão, por exemplo, trarão o mesmo benefício! Assim, mesmo que não consumam a água de abastecimento público fluore­tada, indivíduos que vivem em regiões fluoretadas são beneficiados pelos alimentos preparados com ela.



Assim, dois pontos importantes surgem para nossa reflexão: 1. Indivíduos que vivem em região de água fluoretada e se mudam para região de água não fluoretada não mais serão beneficiados pelo fluoreto, pois em alguns dias ou semanas a concentração de fluoreto na saliva será semelhante à dos indivíduos da região não fluore­tada. Portanto, água fluoretada só beneficia aqueles que a estão continuamente ingerindo! 2. Para indivíduos que vivem em regiões não fluoretadas, a indicação de outro meio de uso de fluoreto que envolva sua ingestão não se justifica atualmente, pois o efeito do fluoreto é local, e o uso freqüente de dentifrícios fluoretados deverá ser o meio de escolha para manter fluoreto na cavidade bucal!



Outro meio de uso de fluoreto de abrangência coletiva é a solução fluoretada para bochecho semanal usada em programas preventivos em escolas, como a solução de NaF a 0,2% (900 ppm de F - ). Sua efetividade como método de prevenção da cárie dental está suportado por estudos clínicos de qualidade. Os bochechos, assim como os dentifrícios fluoretados, promovem um aumento da concentração de fluoreto na saliva e no biofilme dental, como será discutido no próximo item. A recomendação de programas de uso semanal de bochecho deve levar em consideração a atividade de cárie do grupo populacional alvo (ver adiante).







2.Individuais



Dentre todos os meios de utilização de fluoreto, o dentifrício fluoretado é o mais racional, pois associa a desorganização do bio­filme dental, cujo acúmulo é necessário para o desenvolvimento de cárie, à exposição da cavidade bucal ao fluoreto. De fato, existe evidência científica sólida de que a escovação com dentifrícios fluoretados resulta em significativa diminuição do desenvolvimento de cárie, com base em revisões sistemáticas de estudos clínicos controlados de alta qualidade. Dentifrício fluoretado é, portanto, um meio de utilização de fluoreto que deve ser recomendado para todos os indivíduos, de todas as idades! Quando escovamos os dentes com dentifrício fluoretado, a concentração de fluoreto na saliva aumenta, permanecendo alta por 1 a 2 horas. O fluoreto reagirá com as superfícies dentais limpas pela escovação formando produtos de reação tipo fluoreto de cálcio (CaF 2 ), e nos remanescentes de biofilme, não removidos devido a uma escovação imperfeita, a concentração de fluoreto também permanecerá alta devido a difusão do fluoreto e sua retenção em reservatórios orgânicos e inorgânicos no biofilme. Mesmo 12 horas após a escovação, o biofilme remanescente em indivíduos utilizando dentifrício fluoretado 2 a 3 vezes ao dia terá maior concentração de fluoreto do que o biofilme de indivíduos não utilizando o dentifrício.



A manutenção de fluoreto no biofilme remanescente é importante, pois este é o local onde ele é mais necessário, onde poderá ocorrer perda mineral da estrutura dental pela exposição a carboidratos fermentáveis.



A evidência científica existente para o efeito anticárie dos dentifrícios fluoretados está embasada por estudos utilizando dentifrícios com concentração convencional de fluoreto, de 1.000 a 1.500 ppm F. A eficácia anticárie desses dentifrícios é independente do tipo de composto fluoretado adicionado a eles, NaF ou MFP (monofluor­fos­fato de sódio). O NaF é agregado a dentifrícios contendo a sílica como abrasivo, normalmente na concentração de 1.000 a 1.100 ppm F. Já o MFP é compatível quimicamente com o abrasivo carbonato de cálcio, o principal sistema abrasivo utilizado em dentifrícios brasileiros. Com o envelhecimento, parte do fluoreto presente no dentifrício contendo MFP/carbonato de cálcio pode se tornar insolúvel (inativo contra cárie) pela reação com o cálcio do abrasivo, e para compensar essa perda, esses dentifrícios normalmente possuem em torno de 1.500 ppm F, garantindo uma concentração suficiente de F ativo contra cárie. As evidências atuais sobre o efeito anticárie dos dentifrícios com menor concentração de fluoreto (500 ppm F), que têm sido indicados para diminuir o risco de fluorose em crianças pequenas, serão discutidas no próximo artigo desta série.



Soluções fluoretadas para bochecho diário, como a solução de NaF a 0,05% (225 ppm F - ), também têm comprovada evidência científica de ação anticárie. Nesse caso, uma dúvida freqüente é: quando indicar tais soluções? É importante ter em mente que indivíduos utilizando dentifrício flu­oretado 2 a 3 vezes ao dia já estão levando fluoreto para a cavidade bucal durante essas ocasiões. A associação dentifrício + bo­che­cho é importante? Veja abaixo no item Combinação de Meios.



Com relação ao uso de medicamentos com flúor, conhecidos como suplementos pré- e pós-natal, enquanto não há nenhuma evidência da eficiência anticárie na prescrição para gestantes, há muito pouca evidência da indicação para crianças. Em acréscimo, com o objetivo de manter fluoreto constante na cavidade bucal, escovar os dentes com dentifrício fluore­tado é a medida mais racional.







3.Profissionais



Produtos contendo alta concentração de fluoreto para aplicação profissional (géis, verniz tipo Duraphat) também já demonstraram sua eficiência clínica em estudos controlados. Esses produtos, além de aumentarem a concentração de fluoreto na cavidade bucal no momento da aplicação, têm um adicional: formam reservatório de CaF 2 . Esse mineral se forma pelo contato do fluoreto, em alta concentração no produto, com íons cálcio disponíveis na cavidade bucal. Assim, a formação do CaF 2 é maior quando se utiliza um produto acidulado, pois a liberação de íons cálcio da superfície dental aumenta a reatividade com o fluoreto do produto. O CaF 2 também poderá se formar no biofilme dental remanescente, mas sendo o biofilme indispensável para o desenvolvimento de cárie, a limpeza dental deverá sempre ser recomendada antes da aplicação de tais produtos pelo profissional. Além disso, a formação de CaF 2 é maior em dentes com lesões de cárie incipientes, onde a porosidade da estrutura dental é maior e aumenta-se a área para reação do fluoreto. Assim, quando é feita uma aplicação tópica de fluoreto serão beneficiadas não só as superfícies dentais que apresentam lesões ativas de cárie, mas também outras superfícies nas quais a lesão ainda não está visível. .



O CaF 2 depositado no dente funciona como um reservatório de fluoreto, liberando o íon para o meio bucal para interferir com o processo de cárie. Assim, a utilização de produtos de alta concentração de fluoreto pelo profissional visa não apenas o aumento momentâneo da concentração de fluo­reto na cavidade bucal, mas também promover sua lenta liberação a partir de reservatórios formados na cavidade bucal, tentando compensar o não auto-uso de fluoreto pelo paciente.



Outro meio de uso de fluoreto profissional são os selantes e materiais restauradores liberadores de fluoreto. Embora esses materiais se enquadrem perfeitamente nos conceitos da importância de meio para manutenção de fluoreto constante no meio ambiente bucal, a relevância clínica da sua indicação deve levar em consideração não só a atividade ou risco de cárie do paciente, como principalmente se ele já está usando freqüentemente dentifrício fluoretado.







4.Combinações de meios de uso de fluoreto



Talvez a maior dúvida dos profissionais no uso de fluoreto seja essa: quando associar meios? Inicialmente, devemos considerar que os meios coletivos são extremamente importantes para o Brasil, pois buscam minimizar diferenças de acesso a outros meios de uso de fluoreto. Além disso, como já descrito anteriormente, a utilização de dentifrícios fluoretados deve ser recomendada para todos os indivíduos, de todas as idades! Resta ainda a dúvida: quais meios adicionais devo indicar para o paciente?



É importante lembrar que precisará de meios adicionais apenas quem está mais sujeito a cárie! Assim, indicar bochechos diários ou realizar aplicação profissional de fluoreto em indivíduos que controlam cárie pelo uso de água e dentifrício fluoretados não trará nenhum benefício ! Por outro lado, indivíduos que não controlam o processo de cárie, seja devido a uma alta freqüência de exposição a carboidratos fermen­táveis, pela diminuição do fluxo salivar por medicamentos ou pela dificuldade de remoção do biofilme dental pela instalação de dispositivos ortodônticos, precisam de meios adicionais! A escolha do meio adicional de uso de fluoreto caberá ao profissional, de acordo com sua experiência clínica e conhecimento do comprometimento do paciente com o protocolo escolhido.







CONCLUSÃO



As recomendações de meios de uso de fluoreto para as quais há evidência científica de redução de cárie dental estão sumarizadas na tabela abaixo. Obviamente, há muitos detalhes sobre cada um desses meios que não foram abordados neste artigo, mas esclarecimentos adicionais podem ser obtidos por e-mail (litenuta@ fop.uni camp.br ou jcury@ fop.uni camp. br).



Embora nenhum país tenha conseguido controlar a cárie da sua população a não ser usando fluoreto de alguma forma, uma série de polêmicas surge freqüentemente sobre os riscos de seu uso em Odontologia, envolvendo desde toxicidade aguda (de vômitos a morte) até toxicidade crônica (fluorose dental). Casos letais ocorreram no passado pela ingestão inadvertida de comprimidos de flúor e do uso inadvertido de produtos em consultórios. No que fiz respeito à relação entre fluorose e água otimamente fluoretada, já foi dito e aceito que “seria preferível fluorose que cárie”. Embora o declínio de cárie dental, ocorrida tanto em países desenvolvidos como no Brasil, seja atribuído ao uso amplo de fluoretos, fluorose dental tem sido hoje questionada, tema que será abordado na última série desses três artigos de divulgação científica, lembrando que:



1. Qualquer F - constantemente no meio ambiente bucal (saliva-biofilme) tem potencial anti­cárie



2. Qualquer F - absorvido pelo organismo e circulando pelo sangue terá potencial de manifestar algum efeito colateral



“O que diferencia o veneno do remédio é a dose”


Por Profa. Dra. Livia Maria  Andaló Tenuta
      Prof. Dr. Jaime Aparecido Cury

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