segunda-feira, 30 de maio de 2011

Limitações do uso de fluoreto em Odontologia: toxicidade aguda e toxicidade crônica (fluorose dental) - Parte III

INTRODUÇÃO



Nos artigos prévios desta série (JABOs 115 e 116) discorremos sobre uma importante premissa envolvida no controle de cárie dental baseada no uso de fluoreto (íon flúor, F - ):



Qualquer F - mantido constante no meio ambiente bucal (saliva-biofilme) tem potencial anticárie



Após descrevermos como os diferentes meios de uso de fluoretos mantêm F - na cavidade bucal, nos deparamos com o “outro lado da moeda”, relacionado à limitação de seu uso:



Qualquer F - absorvido pelo organismo e circulando pelo sangue terá potencial de manifestar algum efeito colateral



Os efeitos colaterais dependem da dose absorvida e do tipo de exposição. Dessa forma, separamos a descrição da toxicidade do F - em efeitos agudos e crônicos.



Tanto a toxicidade aguda como a crônica são efeitos sistêmicos do F - e, portanto, é necessário revisar de forma sucinta o metabolismo do F - no organismo, para um melhor entendimento das consequên­cias da intoxicação, prevenção e possível reversão ou tratamento. Ao se ingerir F - , seja pela água fluo­retada (ou alimentos cozidos com ela), seja pela ingestão inadvertida de dentifrício fluoretado ou de gel de aplicação profissional de fluoreto, em 30-45 minutos, 90% do ingerido cai em corrente sanguínea, pois sua absorção ocorre principalmente no estômago - o pH ácido facilita o transporte do fluoreto, na forma de ácido fluorídrico (HF), através das células da mucosa gástrica. Esse conhecimento é importante, pois: a) para ser absorvido, o F - precisa estar solúvel; b) absorção pode ser reduzida dependendo do conteúdo gástrico; c) qualquer medida voltada a diminuir a absorção do F - deve ser realizada rapidamente.



Assim, considerando que, para ser absorvido o fluoreto deve estar na forma de íon F - (para haver a formação de HF e posterior difusão), a ingestão de flúor na forma de sais de baixa solubilidade, como fluoreto de cálcio, por exemplo, reduz a absorção. Esse princípio pode ser usado no tratamento da intoxicação aguda, pela administração via oral de compostos contendo cálcio ou alumínio, que formam sais de baixa solubilidade com o F - , diminuindo sua absorção.



Usando esse mesmo raciocínio, se a ingestão de F - ocorrer com estômago vazio, a absorção será total. No entanto, a ingestão feita até 15 minutos após as refeições diminui em até 40% a absorção, seja devido ao efeito mecânico do bolo alimentar, restringindo a superfície de mucosa gástrica em contato com o F - , seja devido à complexação do F - com cátions, como o cálcio, presentes no alimento, formando complexos insolúveis que não serão absorvidos.



O F - não-solúvel é excretado pelas fezes devido a não absorção no trato gastrointestinal. O solúvel cai no sangue, é distribuído por todo o organismo, se fixando nos tecidos em mineralização (ossos e dentes). O não incorporado é eliminado principalmente por excre­ção renal. Em termos toxicológicos, esse conhecimento é importante porque os efeitos agudos ou mesmo crônicos serão em função da concentração de F - não só atingida no sangue ou mantida nesse após a ingestão, como de uma eficiente excreção renal.



a) Toxicidade aguda



É aquela devida a ingestão de uma quantidade excessiva de F - , em uma única dose. Os sintomas mais leves incluem mal estar gástrico e vômitos, e, dependendo da dose, a intoxicação pode levar à morte. Ao ser ingerido em alta quantidade, o F - inicialmente causará mal estar gástrico devido à irritação da mucosa do estômago, podendo ocasionar vômitos. Ao ser absorvido pelo organismo, o F - desencadeia uma série de sintomas, desde não-específicos, como hipersalivação e suor frio, até aqueles oriundos de sua ligação com o cálcio sanguíneo (hipocalcemia), alterações celulares (hiperca­lemia), queda de pressão, depressão respiratória, arritmia cardíaca, desorientação ou coma e morte.



Devido a casos letais por doses de F - inferiores às consideradas no passado como seguramente toleradas, a partir da década de 90 foi estabelecido em Odontologia que a dose de 5 mg F - /kg de peso corporal, chamada de dose provavelmente tóxica (DPT) deve ser considerada como limite máximo de risco.



Assim, considerando os produtos de uso odontológico, o profissional deve ficar atento àqueles que possuem maior concentração de F - , ou seja, aqueles que contenham uma grande quantidade de F - mesmo em pequenas porções do produto. Assim, considerando, por exemplo, uma criança de 5 anos e pesando 20 kg , ela seria submetida a DPT se ingerisse 8 g de flúor gel (12.300 ppm F; 12,3 mg F/g) ou 1 tubo (conteúdo!) de 90 g de dentifrício (1.100 ppm F; 1,1 mg F/g) ou 444 mL de bochecho de NaF a 0,05% (225 ppm F; 0,225 mg F/mL) ou 100 comprimidos de NaF (1,0 mg F/comprimido) ou 143 litros de água de Piracicaba (0,7 ppm F; 0,7 mg F/L) de uma única vez!!!



Embora se demonstre a segurança de uso dos produtos odontológicos, o profissional deve estar ciente dos riscos oriundos do manejo desses produtos, evitando ao máximo sua ingestão. Há relato de casos letais oriundos da ingestão de comprimidos de flúor por crianças e do uso inadvertido de produtos em consultórios.



Assim, quando ocorrer ingestão acidental desses produtos fluore­tados, o profissional deve estimar a dose ingerida e agir rapidamente para evitar a absorção do F - no es­tô­mago, administrando leite (con­tém cálcio) ou antiácidos, como hidróxido de alumínio. Em casos de ingestão acima da DPT, o paciente deve ser encaminhado ao hospital para cuidados médicos adicionais.







b) Toxicidade crônica

(fluorose dental)



Os benefícios anticárie do flu­oreto foram descobertos indiretamente pela fluorose dental, quando, ao se relacionar a concentração de fluoreto natural na água utilizadas por crianças e a ocorrência de fluorose e cárie nos seus dentes, foi encontrada uma concentração chamada de “ótima”, que produzia o máximo de redução de cárie (benefício) com o mínimo de efeito colateral (fluorose dental esteticamente aceitável).



Somente após ter sido comprovado que fluorose dental era o único efeito colateral da utilização de água otimamente fluoretada, não estando envolvido nenhum outro efeito de saúde geral, se iniciou a agregação de F - ao tratamento das águas de abastecimento público. Na época, devido à severidade da cárie e aos benefícios em termos de saúde pública da fluoretação da água, a fluorose dental foi considerada como o “preço” a ser pago pela prevenção de cárie. Entretanto, no presente, a fluorose dental voltou a ser discutida porque houve um declínio mundial de cárie dental e também por relatos de aumento da prevalência de fluo­rose, mesmo em regiões sem água fluoretada. Assim, antes aceita pacificamente pela maioria, a fluorose dental passou a ser questionada almejando-se não só manter o atual declínio de cárie sem nenhuma preocupação com algum grau de fluorose que possa comprometer a estética dental.



Entretanto, alguns conceitos básicos são importantes para iniciar a discussão:



1. Fluorose dental é um efeito sistêmico, portanto, o grau de fluo­rose provocado nos dentes dependerá da concentração de F - no sangue, que depende da dose de in­gestão diária e da exposição prévia ao fluoreto;



2. Apenas o fluoreto absorvido e circulando no organismo terá potencial de causar fluorose dental. Assim, não apenas a quantidade ingerida deve ser avaliada, mas também a quantidade realmente absorvida;



3. Qualquer fluoreto absorvido terá potencial de causar fluorose dental, independentemente da fonte (água fluoretada, dentifrício fluoretado, alimentos...);



4. O F - presente no sangue afeta o esmalte em formação, mas o efeito não é celular no metabolismo do ameloblasto, mas extra­celular no processo de maturação do esmalte;



5. Há uma relação linear entre o grau de fluorose observado e a dose de exposição a fluoreto pela água (mg F/kg/dia), sugerindo que sempre haverá algum grau de fluorose quando da exposição a fluoreto;



6. Tem sido sugerido que 0,05 a 0,07 mg F/kg/dia deve ser a dose máxima aceitável em termos do balanço riscos/benefícios de exposição a fluoreto, sem ainda nenhuma evidência experimental;



7. Apenas os dentes em processo de formação do esmalte dental estão sujeitos à fluorose. Assim, a idade de risco para o desenvolvimento de fluorose em dentes permanentes anteriores é dos 20 aos 30 meses de idade;



8. Entretanto, a duração da ex­posição à determinada dose é mais relevante e, assim, por exemplo, a prevalência e severidade da fluorose em uma criança que bebe água com 1,4 ppm de F - apenas 1 dia por mês será inferior a daquela exposta diariamente a concentração ótima de 0,7 ppm F - ;



9. Para a fluorose ser visível clinicamente, a exposição ao fluo­reto precisa ser crônica (afetando o esmalte em formação durante determinado período). Portanto, produtos de uso profissional como géis e vernizes não estão relacionados ao desenvolvimento de fluo­rose, embora cuidados devam ser tomados quanto ao risco de intoxicação aguda;



10. O dente com fluorose não é mais suscetível à cárie por ser me­nos mineralizado que o não-fluo­rótico; também, ele não é mais resistente a cárie por possuir mais flúor. Em acréscimo, se o paciente estiver em risco ou atividade de cá­rie, a aplicação tópica profissional de flúor é recomendável sem qualquer risco de aumentar a fluo­rose, ocorrida anos atrás durante a formação do esmalte;



11. O esmalte não-fluorótico é translúcido e a fluorose se manifesta através de diferentes graus de aumento de opacidade do esmalte, caracterizados através de linhas brancas transversais que podem se fundir tornando o dente todo branco. Como o esmalte é poroso, a opacidade se torna mais visível se o dente estiver seco;



12. Flúor não provoca mancha­mento nos dentes em formação; estes, quando irrompem, podem estar totalmente esbranquiçados (fluorose moderada) e a pigmentação é pós-eruptiva devido a produtos da dieta que penetram na porosidade do esmalte;



13. Fluorose é um efeito sis­têmico, portanto dentes formados no mesmo período devem apresen­tar o mesmo grau de alteração e deve haver homologia (jamais haverá fluorose em apenas um dos incisivos ou molares);



14. Os casos de fluorose com comprometimento estético (relatado pelo paciente, não pelo dentista!) podem ser eficazmente tratados com micro-abrasão ácida, porque a camada de esmalte alterada é superficial;



15. Como há uma relação linear entre dose de exposição a fluo­reto e fluorose dental, quando o fluoreto é ingerido compulsoriamente (via água fluoretada) ou invo­luntariamente (na escovação com dentifrício fluoretado) não está em discussão o efeito biológico inevitável da fluorose, mas sim se o grau de fluorose decorrente é aceitável ou não considerando o beneficio do controle da cárie em termos de saúde pública.



A discussão atual sobre fluo­rose está centrada na dose estimada de risco de 0,07 mg F/kg de peso corporal/dia (ver item 6 acima) e estudos longitudinais têm mostrado que a quantidade de fluoreto ingerida por uma criança jovem pela dieta e pelo dentifrício fluoretado não corresponde ao desfecho de fluorose observada anos depois, sendo a fluorose sempre menos prevalente e menos severa do que o esperado. É importante que esse ponto seja enfatizado, pois a recomendação da diminuição de concentração de fluoreto em dentifrícios ou mesmo da utilização de dentifrícios não-fluoretados por crianças de pouca idade têm sido feitas com base na dose estimada de exposição. Assim, alguns pontos devem ser enaltecidos:



1. Água otimamente fluore­tada tem potencial de causar fluo­rose, mas restrita aos níveis muito leve e leve, que não comprometem a estética dos indivíduos. Assim, a recomendação de uso de dentifrício não-fluoretado não assegura que a criança não apresente fluo­rose nos dentes permanentes se ela viver em região com água otimamente fluoretada.



2. A prevalência de fluorose dental encontrada em crianças não-expostas à água fluoretada é menor do que a esperada com base na dose de ingestão de dentifrício, sugerindo que esta dose está sendo superestimada, pois:



a. A dose de exposição é calculada pela quantidade de dentifrício ingerido pela criança multiplicado pelo número de escovações diárias relatadas pela mãe ou responsável, que pode estar inflacio­nado;



b. Nem todo fluoreto ingerido com o dentifrício será absorvido. Fatores que diminuem a absorção do fluoreto incluem a presença de alimentos no estômago (a escovação após as refeições é desejável!) e abrasivos à base de cálcio presentes nos dentifrícios mais vendidos no Brasil.



3. Crianças que ingerem uma grande quantidade de dentifrício a cada escovação continuam sob risco aumentado de desenvolver fluo­rose, mesmo utilizando um dentifrício de baixa concentração de flúor. Em acréscimo, a recomendação de uso de dentifrícios não-fluoretados ou com concentração reduzida de fluoreto, além da redução do efeito anticárie, pode ge­rar a idéia de que esses dentifrícios são mais seguros para serem ingeridos!



4. Crianças expostas à água otimamente fluoretada não terão risco aumentado de fluorose se elas usarem uma pequena quantidade de pasta fluoretada para escovar os dentes;



5. Embora não haja grandes preocupações com o grau de fluorose por dentifrícios em crianças vivendo em região de água não-fluoretada, uma pequena quantidade de pasta fluoretada deverá ser sempre recomendada (segura e econômica!)



6. Supervisionar a escovação dos dentes de crianças para usarem pequena quantidade de pasta e estimular a expectoração da espuma é um processo educativo obje­tivando ter filhos independentes e responsáveis, capazes de no futuro próximo se autocuidarem.



Em conclusão, nesta série de artigos sobre o uso de fluoretos em Odontologia nos baseamos em evi­dências científicas para discutir o mecanismo de controle da cárie dental a partir de diversos meios de uso de fluoretos e os cuidados que devem ser tomados para minimizar efeitos colaterais. Considerando a importância central do uso de fluoretos no controle da cárie dental no Brasil e no mundo, água fluoretada e dentifrício fluoretado poderão continuar satisfazendo o binômio de benefícios x riscos de utilização de fluoreto desde que a água fluoretada seja utilizada na concentração ótima e que uma pequena quantidade de dentifrício fluoretado seja utilizada para escovar os dentes.



Embora a fluorose decorrente desperte a atenção de um profissional, adolescentes de Piracicaba (SP), quando questionados, não demonstraram insatisfação pelos efeitos do flúor da água e do dentifrício fluoretado por eles usados, mas sim por outros problemas dentais, como mordida aberta (ver foto, grau 3 de fluorose). Nessa mesma idade, no passado, insatisfeitos com as cáries nos seus dentes, os pais dessas crianças seguramente procuraram um profissional dentista para tratamento restaurador. Essas crianças de uma escola pública de Piracicaba hoje almejam algo mais, como tratamento ortodôntico, porque cárie não é a preocupação principal delas.



Assim como no uso de flúor, em que buscamos o balanço entre seus benefícios e riscos, esperamos ter tido equilíbrio na dosagem desses três artigos, não tendo sido as informações superficiais ou muito profundas. Teremos enorme prazer de sermos mais úteis, mesmo que virtualmente, pelos nossos e-mails disponibilizados, mas antes queremos passar a última mensagem:



Os mecanismos pelos quais o fluoreto diminui cárie e aumenta fluorose são totalmente distintos e, do ponto de vista farma­cológico, enquanto o efeito do pri­meiro é local , portanto concentração dependente, o do segundo é sistêmico, logo dose dependente. Maximizar os benefícios do fluoreto enquanto seus riscos são minimizados é um desafio permanente daqueles comprometidos com saúde pública.



Por Profa. Dra. Livia Maria Andaló Tenuta
       Prof. Dr. Jaime Aparecido Cury


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