A toxina botulínica já é bastante
empregada em tratamentos cosméticos e neurológicos no Brasil e no mundo. Como se
chegou à conclusão de que a substância também pode ser eficaz em tratamentos
odontológicos?
A toxina botulínica tipo A
é um complexo protéico purificado, de origem biológica, obtido a partir da
bactéria Clostridium botulinum. O Clostridium botulinum é uma
bactéria anaeróbia, que em condições apropriadas à sua reprodução (10°C, sem
oxigênio e certo nível de acidez), cresce e produz sete sorotipos diferentes de
toxina – conhecidos como A, B, C1, D, E, F e G. Dentre esses, o soro tipo A é o
reconhecido cientificamente como o mais potente e o que proporciona maior
duração de efeito terapêutico.
Em 1978, Allan B. Scott conduziu os primeiros
estudos clínicos pilotos nos Estados Unidos com a aprovação do “Food and Drug
Administration” (FDA), publicando resultados preliminares no tratamento de
estrabismo com toxina botulínica em 1985. Em seguida, investigou os efeitos da
toxina botulínica em casos de espasmos hemifaciais, torcicolo espasmódico e
espasticidades de membros inferiores. Desde então, a toxina botulínica tipo A
passou a ser opção de tratamento para blefaroespasmo e várias patologias
neuromusculares.
Apesar de a toxina botulínica ser amplamente conhecida por
sua utilização cosmética em injeções intramusculares para a redução de rugas
faciais, a sua principal aplicação é voltada ao uso terapêutico. A utilização
dessa toxina purificada em procedimentos cosméticos só foi aprovada pela ANVISA
no Brasil em 2000 e nos EUA, pela FDA, em 2002.
Na Odontologia é usada há
pelo menos 20 anos e tem apresentado um potencial de emprego como em casos de
bruxismo, hipertrofia do masseter, disfunções temporomandibulares, sialorreia,
assimetria de sorriso, exposição gengival acentuada e, mais recentemente tem
sido descrita a utilização profilática para a redução da força muscular dos
músculos masseter e temporal em alguns casos de implantodontia de carga
imediata.
Existem estudos científicos sendo
realizados sobre o uso do conhecido ‘botox’ na prática
odontológica?
Sim. Depois das clínicas de
dermatologia e de estética, os pacientes agora também podem recorrer aos
consultórios odontológicos para a aplicação do Botox, que vem se revelando uma
alternativa muito eficaz de tratamento estético para a beleza do sorriso. Como
foi a primeira a ser liberada para uso estético, em rugas de expressão, o termo
Botox acabou sendo utilizado para todos os medicamentos, a partir dessa
toxina.
O uso dessa toxina na Odontologia vai desde exterminar por uns tempos
as rugas de expressão do sorriso até o tratamento de dores de ATM (articulação
temporomandibular) e ranger de dentes.
Quando a toxina é aplicada em pequenas
doses, ela bloqueia a liberação de acetilcolina (neurotransmissor responsável
por levar as mensagens elétricas do cérebro aos músculos) e, como resultado, o
músculo não recebe a mensagem para contrair.
Quais tratamentos odontológicos podem ser
realizados com o auxílio da toxina botulínica?
Eis alguns dos tratamentos.
- Bruxismo: o músculo mastigatório trabalha além da conta à noite, o
que desencadeia o atrito entre os dentes e, como consequência, seu desgaste.
Tratamento convencional: com placas noturnas, para impedir o contato
entre os dentes. Vantagens da toxina botulínica: o método tradicional
atrapalha o descanso. Com a toxina, isso não ocorre.
- Dor facial: trata-se de uma sensação dolorosa provocada por
alterações nas articulações que ligam o maxilar à mandíbula — ali está
localizado um complexo sistema de músculos, ligamentos e ossos. Tratamento
convencional: com medicamentos, que podem provocar efeitos colaterais.
Vantagens da toxina botulínica: é aplicada diretamente no músculo, sem
reações desagradáveis.
- Sorriso gengival: disfunção em que a gengiva é exposta
excessivamente quando o indivíduo sorri. Tratamento convencional: por
meio de cirurgia. Vantagens da toxina botulínica: não é invasiva, sendo
aplicada nos músculos responsáveis pelo sorriso, relaxando essa
musculatura.
Existe algum tipo de contraindicação no
uso da substância na Odontologia?
A toxina
botulínica é muito segura, principalmente quando aplicada em locais e doses
recomendadas.
Ela não é tóxica ao ser humano uma vez que as doses utilizadas
terapeuticamente estão distantes da dose letal humana. Além disso, já é
utilizada em medicina há décadas. As contraindicações mais comuns são:
- Doenças imunológicas e oftalmológicas com comprometimento muscular.
- Pacientes em uso de antibióticos do grupo amino-glicosídeos por
potencializarem as ações da toxina.
- Pacientes com processos infecciosos e inflamatórios no local.
Gravidez e amamentação.
Os intolerantes à lactose precisam evitá-la, pois
o açúcar do leite serve como uma espécie de veículo para a droga. Para quem tem
esse tipo de reação, existem outras formulações, geralmente mais caras. Também
não se recomenda a toxina para indivíduos com atividade muscular comprometida,
já que ela relaxará ainda mais o tecido.
Como a toxina botulínica pode beneficiar o
exercício do cirurgião-dentista e também o paciente
A aplicação da toxina botulínica trouxe para os cirurgiões-dentistas
mais uma ferramenta em alguns dos procedimentos terapêuticos realizados no
consultório, e, para os pacientes uma significativa melhora em dores e
desconfortos. A aplicação é rápida e simples e os resultados são
imediatos.
Na Odontologia estética é possível entrar no consultório e em
alguns minutos sair de lá com um sorriso novo. Com relação às patologias
clínicas, a toxina revela resultados significativos na diminuição principalmente
da dor.
A toxina botulínica começa a agir a partir de 24 a 48 horas após sua
aplicação no músculo e seu pico máximo é no 15º dia.
A durabilidade do efeito
depende de vários fatores individuais, mas geralmente gira em torno de cinco e
seis meses. Depois desse período os músculos readquirem a capacidade normal de
contração e a pele volta a enrugar. É importante esclarecer que não ocorre piora
das rugas em relação ao período anterior à aplicação e também que há casos de
pessoas resistentes à toxina e com durabilidade menor do que o normal da
população.
Como o cirurgião-dentista deve agir para
se atualizar sobre a nova técnica na prática odontológica?
Existem cursos de atualização profissional em toxina
botulínica aplicada à terapêutica odontológica, e para o cirurgião-dentista que
pretende trabalhar com esta técnica, é de fundamental importância o conhecimento
profissional não apenas da anatomia da face, como também das características
farmacológicas da toxina, como dosagem, mecanismos de ação, contraindicações e
efeitos colaterais, antes de se optar pelo seu uso no tratamento das
hipertrofias musculares. Como foi visto, o tratamento da hipertrofia muscular
mastigatória com Toxina Botulínica Tipo A, surge como uma alternativa não
invasiva para correção dessa patologia, devendo, no entanto, a dose e a
frequência das injeções serem respeitadas.
Já existem dados que apontam o número de
pacientes que optaram por tratamentos odontológicos com a toxina
botulínica?
Tanto homens como mulheres
querem e se beneficiam com a técnica, mas, disparadamente, encontramos as
mulheres que querem melhorar o sorriso gengival. A procura ocorre entre as
mulheres com 28 e 40 anos de idade, independente da classe social.
Como o profissional de saúde bucal deve
agir para medir a relação custo x benefício da prática odontológica com toxina
botulínica?
Atualmente todos os benefícios
do uso da toxina botulínica com fins terapêuticos tornou-se uma realidade no
arsenal clínico do cirurgião-dentista. O uso terapêutico da toxina botulínica
vem sendo amplamente estudado na Odontologia nos últimos anos e hoje incorpora
uma grande quantidade de possibilidades de uso, desde correções de sorrisos
gengivais, minimização de dores de cabeça tensionais, auxílio no tratamento de
disfunções de ATM, assimetrias de sorriso, sialorreia (excesso de produção
salivar), bruxismo, etc.
Alguns fatores que precisam ser enfatizados:
- A toxina botulínica não causa vício e não é um procedimento irreversível,
sendo extremamente segura quando aplicada dentro das normas técnicas.
- Seu uso em seres humanos é realizado exclusivamente por profissionais
médicos e dentistas.
- A frequência no uso da toxina botulínica deve ser rigorosamente controlada
por um profissional devidamente capacitado e regulamentado para seu uso, sempre.
- Não é aconselhável o seu uso em gestantes ou em fase de lactação.
- A toxina botulínica tem elevada toxicidade em grandes dosagens devendo ser
sempre manipulada e aplicada por profissional capacitado e regulamentado.
- Os benefícios aparecem alguns dias após a aplicação e duram em média entre
quatro e seis meses.
O Conselho Federal de Odontologia
apresentou nota favorável ao uso da toxina botulínica para alguns casos
exclusivamente dentro do âmbito legal do exercício da competência do
cirurgião-dentista. Como essa aprovação pode alterar a rotina do profissional de
saúde bucal?
Diante da grande polêmica em
torno da utilização desses procedimentos pelos dentistas, o código que rege o
exercício da Odontologia, o cirurgião-dentista está “habilitado a prescrever e
administrar toda e qualquer substância farmacológica oral ou injetável que não
extrapole os limites da Odontologia”. Neste contexto, o cirurgião-dentista que
está devidamente treinado para terapêutica da toxina botulínica, ao fazer o uso
do produto para o tratamento de afecções da boca e da face que se enquadre na
clínica odontológica, está agindo dentro de suas atribuições.
A aplicação do
botox é um procedimento muito rápido e o paciente não precisa de internação e
nem anestesia, apenas repouso de algumas horas. Contudo, a recomendação do
cirurgião-dentista nas quatro primeiras horas após a aplicação do produto é a de
que os pacientes devem evitar utilizar muito os músculos da face (não sorrir ou
falar muito, não massagear o local, não passar cremes e evitar atividade física
no dia da aplicação).
A duração do efeito do tratamento pode variar conforme a resposta orgânica de
cada paciente, mas geralmente os efeitos da aplicação duram uma média de seis
meses e a aplicação é indolor, devido à anestesia “O tratamento pode ser
repetido dentro de uma indicação correta, com toda segurança”.
Se realizado
com profissionais competentes, o tratamento com Botox não apresenta maiores
complicações (como cicatrizes, mudança na expressão facial). Somente
profissionais habilitados e bem treinados podem realizar tais procedimentos.
Ainda são poucos os dentistas que atuam nessa área, mas os profissionais
acreditam que seja um novo e fértil campo para a Odontologia.
Fonte: http://www.odontomagazine.com.br/2012/02/27/a-toxina-botulinica-na-pratica-odontologica/